quarta-feira, 12 de novembro de 2014

Interstellar (2014)


Sabe quando um filme tem tudo para dar errado pela quantidade e complexidade massivas de suas referências? Ou quando você acredita que o alvoroço e expectativa demasiados só vão fazer você sair do cinema ainda mais frustrado pelo longa não ser tudo isso? Pois é, esqueça. Esqueça essa ideia. Porque definitivamente não é o caso de Interstellar. Não é uma obra com espaço para pretensão ou incompetência, e Christopher Nolan não é um cineasta que vincula o nome a projetos ruins. Se você ainda tiver alguma dúvida sobre isto, por menor que seja, depois deste filme não terá mais. Primeiro que é impressionante como é possível conceber conceitos tão complexos em imagem. Segundo que é um texto muito bom, que vem sendo trabalhado desde 2007, por Jonathan Nolan, para Steven Spielberg dirigir e talvez (pelo o que eu andei lendo) se tornar uma grande bagunça, mas graças ao destino, em 2013, o elemento prodígio da família Nolan entrou em cena, e Christopher aliou o roteiro do seu irmão às próprias ideias, e deu vida ao trabalho do físico Kip Thorne e também ao que seria o maior e melhor projeto de sua carreira.
Emma Thomas (mulher de Christopher), Jonathan e Christopher Nolan sempre estão à frente da produção e roteirizição dos filmes que se envolvem, e desta vez, aliados ao trabalho de Lynda Obst - que surpreendeu por definitivamente não ser uma produtora desta praia, trouxeram à tona dilemas e prospecções de um universo onde praticamente todas as teorias que existem sobre o cosmo funcionam e coexistem da forma mais alinhada possível, e te levam a viajar pelos cantos mais improváveis da lógica humana de uma maneira bem crível e despretensiosa, o que acaba fazendo o espectador credibilizar ainda mais a obra e o traz para mais próximo da estória a cada instante. Mas é claro que estes pontos não o tornam um filme mais fácil. É necessário um certo repertório para assimilar melhor todo aquele jargão utilizado pelos astronautas. Acompanhar a linha de raciocínio de tantas teorias - que são cuspidas na tela de forma tão brilhante, diga-se de passagem - também se torna menos complicado se você já ouviu falar ou leu sobre algumas delas, e além disso ainda há um debate bastante imoral que paira sobre o intelecto dos "exemplares" mais inspiradores da raça humana na trama, em vários momentos, sempre aliado às minúcias que só um filme que trata da magnitude de tantas dimensões poderia englobar. Posso afirmar que é instigante mesmo para os mais familiarizados com o assunto.
Nolan fez o dever de casa, bebeu da fonte certa, e trouxe o que podia haver de melhor nas películas sobre o Espaço para o próprio filme. São diversos easter eggs* com relações a trabalhos que os atores de Interstellar também participam, e, para mim, a homenagem mais significativa, merecida e importante de todas: não só é baseado, mas reproduz quase que integralmente o conceito do já falecido diretor Stanley Kubrick, pelo seu trabalho em 2001: A Space Odyssey. Desde o design dos robôs, que eretos são uma cópia fiel da forma do Monolito de 2001, até a missão em direção a Saturno, que é um jeito sutil de dizer que finalmente, após 46 anos, foi possível reproduzir uma versão aceitável do Planeta no Cinema (naquele tempo, Kubrick mudou a missão da trama de 2001: A Space Odyssey para Júpiter, por ser impossível, com a tecnologia da época, reproduzir os anéis de Saturno para as telas). E não pára por aí, ele também brinca com coisa séria. Com a credibilidade da NASA. Continuando na mesma levada, Nolan dá espaço para os boatos sobre a aterrissagem em solo lunar serem apenas propaganda estadunidense para falir a União Soviética, mostrando na TV (supostamente) takes cortados do filme espacial de Kubrick. Christopher Nolan fez um remake perfeito da vanguarda extra-terrestre idealizada em 1968, e transformou todo aquele imaginário distante, nada afável e (apesar de gostar, confesso) bastante pretensioso em linguagem para massas, de um jeito bem adequado e sagaz, sem dúvida.
Indo para as atuações, mais uma vez é de espantar o desempenho de Matthew McConaughey. O cara que até dois anos atrás não se envolvia em nenhum projeto que fosse necessário qualquer fração de talento, hoje em dia é sem dúvida um dos melhores representantes da categoria artística de Hollywood. Começa normal, maneirista, e até faz o público lembrar do personagem que fez em Dallas Buyers Club, no ano passado, principalmente pelo sotaque texano que tem e que é bem puxado, mas ao desenrolar da trama Matthew McConaughey mostra como tem presença e preenche o enredo com um personagem difícil, até mesmo para uma trama tão inconstante como Interstellar. Tem momentos de segurança, de descontrole, de emoção, raiva, humor... tudo isto bem mutável e de uma forma natural e convincente, o que faz dele um verdadeiro protagonista, por saber lidar com tudo isso e ainda dominar cada ambiente e conceito visual na tela. Ele te faz acreditar que realmente está vivendo cada situação, e aliado ao fato de não ser um grande astro das telas, não tira atenção do personagem, e não deixa o público incessantemente comparando os antigos trabalhos, o que ajuda a manter o foco no piloto Cooper. Acho que foi a escolha perfeita para o papel e digo mais: tem grandes chances de ele se igualar a Tom Hanks e ser a segunda pessoa na História a ganhar dois Oscars consecutivos como Melhor Ator.
Já em segundo plano, os coadjuvantes também não deixam nem um pouco a desejar. É um batalhão de estrelas hollywoodianas que compõem o cast e criam um plano bastante confortável para que o texto se torne funcional. Pela primeira vez, em muito tempo, vi Michael Caine fazer um papel diferente. Exceto pelo remake de Sleuth - dirigido por Kenneth Branagh em 2007, não me lembro de um filme que ele interprete alguém com a moral questionável, independente da situação. Caine, que quase sempre era o arauto de responsabilidade, e a figura do ancião sábio e ético que nunca pendia às falhas humanas, agora, finalmente, se mostrou errante de um jeito real e acumulou pontos ao filme e até à própria defasagem que ele mesmo vinha criando pela repetição de papéis. Ótimo trabalho dos roteiristas e do próprio ator, é claro. E a ala das mulheres não fica atrás. Seja colocando Jessica Chastain ou Anne Hathaway para concorrer, qualquer uma tem grandes chances de ganhar prêmios de Melhor Coadjuvante, em qualquer premiação. O papel de Jessica é mais apelativo, emocional, e chama mais atenção, naturalmente, por ser a personagem-chave de toda a trama, mas para quem conhece o trabalho de Anne Hathaway até estranha de vê-la comedida e transformada em uma estudiosa certinha. Ela está lá, e a sua interpretação é muito marcante, mas desta vez distancia-se dos holofotes e parece que opta por dar espaço para atores como Wes Bentley e David Gyasi, que tem menos expressão. Achei de uma sutileza tamanha e não sei se foi escolha do Nolan ou dela própria, mas entendi como um ponto positivo por acreditar ser necessário que todos os personagens sejam de vital importância, tendo em vista o enredo apocalíptico.
É um filme relativamente barato (o orçamento foi de U$ 165 milhões) e mais uma vez Christopher Nolan escolhe efeitos manuais, analógicos, da maneira mais tradicional possível, usando o mínimo de computação, para que toda a experiência seja mais tangível e verossímil, e dá uma aula de Cinema, pois encanta do mais cinéfilo ao mais leigo na plateia, transformando um trabalho denso e complicado em um blockbuster promissor, assim como (impressionantemente) conseguiu fazer também com Inception, em 2010.
Interstellar coloca todos os filmes que você já viu sobre o Espaço no chinelo, exceto pela sua maior fonte de inspiração, a obra-prima já antes citada de Stanley Kubrick. Depois deste filme você não somente assume que Christopher Nolan é uma mente brilhante, mas aceita de vez que o diretor da aventura intergalática mais famosa das telonas é o maior cineasta que já existiu, por ter pensado na década de 1960 algo que demorou quase 50 anos para se tornar esteticamente maleável. Uma pena Stanley Kubrick não ter chegado nem até o ano de 2001, que dirá até 2014, mas se ainda fosse vivo, com certeza ficaria feliz em assistir à premiere de mais uma odisseia no espaço.

*easter egg: breve mensagem subliminar e/ou referência presente ao longo do filme.

quarta-feira, 15 de outubro de 2014

Trash - A Esperança Vem do Lixo (2014)


Feito sob encomenda, eu diria. Uma soma perfeita de virtude mais pobreza que dá o tom romântico certo de uma obra bem previsível, mas de grande qualidade. O filme funciona graças aos detalhes escolhidos para compor a trama, mas mesmo saltando aos olhos de quem conhece bem a realidade do universo brasileiro, incomoda com a quantidade de coincidências no roteiro. Ainda assim, é uma ótima pedida.
A estória toda gira em torno de um mistério sobre um código secreto escondido em uma carteira. João Ângelo (Wagner Moura) por algum motivo criptografou uma mensagem que dá as coordenadas para um tesouro escondido, mas é justamente aí que existe o maior erro de todo o longa: João não avisa a ninguém sobre o código, ou como desvendá-lo, e simplesmente, antes de morrer - relaxem, isto acontece nos primeiros 10 minutos do filme, atira a carteira por uma sacada, fazendo com que caia, coincidentemente, em um caminhão passante de lixo. E se a carteira cai no esgoto? E se alguém "não-nobre" na rua a pega? Bom, não vou me ater a isto, porque realmente, depois que eu parei para refletir, começou a me incomodar muito o excesso de lirismo em alguns pontos deste filme, mas tudo bem, até aceitei, então vamos continuar.
O menino Rafael finalmente é o escolhido. Acha o grande presente e segredo de toda a trama durante uma ronda matinal pelo lixão. Além de encontrar diversos papéis, fotos, e uma chave, uma quantia aparece para animá-lo e a seu melhor amigo, Gardo, e é aí que acontece a segunda falha, não tão grande quanto a primeira, mas ainda assim um deslize: tudo bem que Rafael é uma criança, e que crianças são curiosas por natureza, mas ele já achou um bom dinheiro até, no meio de todo aquele lixo e falta de perspectiva, já viu que nenhum dos elementos dentro da carteira dizem algo ou fazem algum sentido segundo qualquer lógica previamente conhecida, por que diabos vai se encucar que existe todo um mistério (que rende um filme de duas horas de duração rs) por trás daquilo tudo? Gardo, no entanto, é mais sensato, e, digamos, condizente com seu personagem, e diz para que o amigo se livre daquilo, que esqueça, mas Rafael piamente acredita existir algo a mais e mergulha fundo, sem nenhuma pista, em uma viagem pesada à la Sherlock Holmes, levando Gardo, o braço direito, e Rato, um terceiro amigo que também mora no lixão, juntos na jornada.
Além da inusitada vinda de Hollywood para uma produção em solo nacional, uma das coisas que mais me chamou atenção foi a presença da língua inglesa na obra. É um filme de Stephen Daldry, um diretor natural da Inglaterra, e é óbvio que não foi feito para satisfazer apenas as necessidades nacionais da sétima arte, mas sim porque é uma estória com grande potencial, porém sem o inglês seria difícil a trama passar pelo grande crivo dos cartolas dos estúdios da Universal. É aí que entram Martin Sheen e Rooney Mara: o padre Julliard e a professora Olivia, respectivamente. Trash não acontece como o vencedor do Oscar Slumdog Millionaire, de Danny Boyle, que, em uma Índia paupérrima e longe da realidade, os personagens simplesmente sabem como se comunicar, sem nenhuma aparente dificuldade, na língua do Rei. O padre Julliard e a professora Olivia são peças-chave para a introdução verossímil do inglês no filme. São voluntários no lixão e fazem um trabalho social bem comum de ativistas e missionários estrangeiros em comunidades carentes, principalmente no Rio de Janeiro, e ensinam a língua nas aulas e missas em um centro social da comunidade formada ao redor do aterro sanitário, trazendo à tona um tom espirituoso do vocabulário capenga das crianças que dá ainda mais qualidade de produção ao longa. Não sei quem parabenizar, se aos roteiristas Richard Curtis e Felipe Braga, por adaptarem isto a uma realidade crível, ou o escritor do livro, Andy Mulligan, por ter pensado em algo sutil e essencial ao mesmo tempo, mas este é um ponto altamente positivo para mim.
Confesso que fui ao cinema com grandes expectativas, mas me frustrei muito na primeira meia hora de filme. Havia uma parte que dizia que aquele era o Brasil real, que nós conhecemos, mas muito do que aparece na tela nos primeiros momentos, também, dá a impressão de que é alegoria para impressionar gringo. Há um quê teatral e fantástico demais na situação que é imposta aos meninos, e eu me arrisco a dizer que há até uma certa supervalorização em cima da condição "estar limítrofe à desgraça e ter um caráter invejável", coisa que definitivamente todo brasileiro sabe que infelizmente não é real, ainda mais como neste filme, que, sem nenhuma motivação, o personagem principal nos mostra a utopia moral em pessoa. Mas o plot começa o twist (que trocadilho infame) bem antes do previsto; e é impressionante também como a estória ganha corpo e qualidade com o passar do tempo, fazendo o que parecia ser algo pobre e irreal virar um thriller envolvente que deixa o público atento a cada sequência.
Sobre a direção do Daldry é até difícil de falar. Assim como sobre a edição. Nota 10. Eu fiquei perplexo com a riqueza dos detalhes e a qualidade dos takes. Sem exageros, mas mesmo assim tudo muito minucioso. E a fotografia? A produção? É de impressionar tamanha expressão. Feitas para apaixonar, mais ainda, qualquer já apaixonado pelo Cinema, e também pudera, tem dedo dos melhores profissionais do ramo nisso: a coroada equipe da O2 Produções, do cineasta Fernando Meirelles, que desde Cidade de Deus não parou de encantar a todos com o excelente trabalho e competência, e que ajudou ainda mais para a remição do filme diante dos deslizes do início, permitindo que a obra concatenasse o crucial e ignorasse os neutralizadores da trama, trazendo novamente as fórmulas de sucesso da obra-prima do diretor brasileiro para as telonas do País.
Eu aconselho a ir ao cinema e tirar suas próprias conclusões, mas tenho certeza que você vai gostar do filme e também concordar comigo que: 1 - Apesar de bem parecido, não é um filme tão bom quanto Cidade de Deus. 2 - Não tem um elenco tão envolvido com a estória como o elenco de Cidade de Deus, e é apenas a visão dos estrangeiros sobre um punhado da nossa terra e da nossa história, e isso nunca vai superar o trabalho do Meirelles e do Mantovani. E 3 - Apesar disto tudo, no fim das contas um fato: em se tratando de um inglês visitando uma potência do BRICS para filmagens, Stephen Daldry ganhou de lavada do Show do Milhão do Danny Boyle. É isso, e bom filme.

segunda-feira, 24 de março de 2014

Nymphomaniac (2014 - Volumes I e II)


Dependendo do ponto de vista, podemos enxergar Lars Von Trier como um incompreendido. Como um excêntrico. Como muito egocêntrico. Ou como um gênio. Não vou me ater a nenhum destes termos, mas numa coisa este diretor tem destreza: impressionar. Não é à toa que é dono de um dos cinemas mais polêmicos da atualidade e que acumula muitos comentários controversos a respeito de suas obras - e algumas besteiras sobre, também - criando debates únicos sobre conotação, que fritam a cabeça de qualquer admirador do cinema, assim como eu.
A primeira parte do filme começa como um choque, e mais literalmente densa, impossível: uma tela preta por cerca de um minuto, se não me engano, cria a tensão ideal que vai acompanhar o dorso dos espectadores até o fim (ou meio) da trama. É exatamente isso, uma edição pobre de ritmo, pouco atrativa, que eu chamaria de "O Grito de um Ego" por parte de Von Trier, mas que nada mais é do que algo crucial para que o resto do conceito seja extremamente eficaz.
Eu diria que o maior pecado desta produção é o fato de, além de ter sido separada da segunda parte, parecer que muitos diálogos foram artificialmente interpretados pelos atores (Stellan Skarsgård e Charlotte Gainsbourg). Nos momentos iniciais da obra, o roteiro com coincidências desconfortáveis e deixas baratas, empobrecem as conversas, também, forçando certos padrões pouco críveis, mas o intenso uso de associações e alegorias, confundem e turvam o entendimento de pontos simples da peça, e o julgamento de o que é importante ou não fica ainda mais difícil para os marinheiros de primeira viagem, causando o verdadeiro desconforto e "pecado do filme" ao lado "pipoca" da plateia. Enfim, Lars Von Trier tem sua própria vaidade e talvez quisesse fazer exatamente como fez. Segregar a plateia com tantas metáforas também pode ter sido intencional. Vai saber, não é? Afinal é fácil chamar atenção com um filme sobre sexo e com cenas explícitas, mas muito provavelmente mais da metade do público que foi assistir a esta sessão esperando uma ode à luxúria não apareceu para saber como tudo termina.
A segunda parte do filme é mais intensa. Quem se arrependeu de ter posto os pés numa sala de cinema para assistir o Volume I perdeu uma ideia muito mais digerível no Volume II. É quando Joe (Charlotte Gainsbourg) deixa de ser introdutória e prolixa e começa a vivenciar intensamente todas as mazelas de ser uma ninfomaníaca.
Não bastasse sua compulsão, ganha o pior presente para quem é alucinado pelo ato sexual: engravida. Mostra-se incapaz de gerir seu lar, de administrar sua vida. Tem experiências selvagens e doentias. Tenta um grupo de ajuda. Nada funciona. Joe está em um momento de sua própria vida em que se vê dentro de uma cova que só fica cada vez mais funda, e o casto e culto Seligman (Stellan Skarsgård) se compadece desta ira com a ditadura contemporânea e comenta um detalhe que para mim é o ponto alto do filme: seria estranho se um homem tivesse passado por tudo que Joe passou? E talvez se ela fosse homem, seria incomum e espantoso a quantidade de experiências sexuais? E toda a aventura audaz e ousada, seria tão mal julgada? Ou tudo faria parte de uma "personalidade forte" vinda de um homem? Além desta crítica ao mundo machista em que vivemos - que é muito mais profunda e tocante do que a minha retórica, diga-se de passagem - há grande metafísica entranhada neste filme. Sim, e como há. Me reservo a ser o mais breve possível para não estragar tanto o que só a experiência de assistir à obra pode trazer, mas é de muito valor doar seu tempo para assistir a este cinema feito por Von Trier, que é muito subjetivo e literário. Não apenas lento e cansativo, que com certeza é, mas que pode ser bastante conclusivo e nos tragar ao tão poético limite da sensibilidade, esquecido na correria do nosso dia-a-dia, fazendo-nos apreciar a arte feita na sua essência, e com toda a minúcia que puder ter a seu dispor.
É um grande filme, gostei muito de ter assistido, principalmente o final de cada uma das partes, que é arrebatador, mas não é um programa que você deva fazer para esquecer os problemas, para passar o tempo. É necessário concentração para aceitar o roteiro e todo o conceito, coisa que estamos desacostumados a fazer por conta dos "entendedores de cinema" de hoje em dia. Uma vez ouvi alguém dizer: "Você não dá uma obra de arte para um jornalista criticar. Este é o grande problema da crítica contemporânea: temos jornalistas, aspirantes a críticos de arte, que a julgam como uma peça de entretenimento, matando a interpretação com tanta objetividade.". Eu concordo. Apesar de eu estar tanto no mundo da arte quanto no mundo do jornalismo, filmes como esse jamais deveriam ser encarados por uma plateia com regras tão estreitas, com diretrizes tão podadas, ou então todo o esforço de uma visão além do usual se perde, e se transforma em cinza.

segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

Argo: polêmica e premiação no Oscar 2013


A palavra "conturbação" seria o mínimo para explicar as nuances do filme até o dia do Oscar. Alfinetadas à Academia por parte do diretor Ben Affleck em outras premiações, problemas com o público e crítica iranianos reclamando de deturpação e tendenciamento dos fatos, com acusações de politicagem barata Pró-EUA pela crítica não só do Oriente Médio, mas também pela mundial, porém Argo se manteve firme, deu a volta por cima e Ben Affleck sagrou-se melhor produtor, com louvor, junto a George Clooney e Grant Heslov na noite da grande festa.
O início dessa saga até o dia 24 de fevereiro foi difícil. A subvalorização técnica em cima do filme foi grande demais e a superestimação de seu maior concorrente (Lincoln, de Spielberg) foi igualmente grandiosa, e parecia que as chances eram quase nulas. Só esqueceram que a Academia é cheia de surpresas, e que até mesmo grandes diretores, como o incomparável Steven Spielberg, perdem o tato de vez em quando e acabam pisando na bola abrindo espaço para novas estrelas.
Se você que ainda não viu vier me perguntar: "Argo é um filme tão maravilhoso assim?", eu vou responder: "Não, não é", e sabe o porquê? Porque não tem nada de esplêndido e surpreendente, mas é um filme com uma qualidade bastante estável. É bem filmado, coeso, parece que foi resumido ao que podia haver de melhor dentre os queridinhos de Hollywood e encantou tanto por misturar política, violência e entretenimento (e tudo mais que os estadunidenses amam) que acabou por merecer a glória popular e ocupar o lugar mais prestigiado da vitrine mundial do cinema. Mas não se engane que apenas de conveniência e sorte esse filme é composto, porque existem bons pontos para defender Argo entre os grandes, características notáveis dignas de cinema verdadeiro, sem sombra de dúvida.
"Esteticamente, o filme é muito pobre, e de qualquer maneira não esperamos outra coisa por parte do inimigo". Estas duras palavras são do ministro da Cultura e Orientação Islâmica, Mohammad Hosseini, que, claro, está no seu direito de réplica já que estadista nenhum gosta da difamação de sua terra pátria, mas ele se equivocou com esta afirmação. Como é possível notar no fim do filme, vemos que o storyboard de Argo foi baseado em relatos fotográficos verídicos da época, quase que imitando a realidade daqueles tempos na tela, se aproximando ao máximo da realidade das ruas mostrando um povo enfurecido atrás de desordem. Isso foi um ponto positivo em termos de construção da obra. O ponto negativo é a parte da politicagem. Enquanto o relato das ruas era quase que uma reprodução 100% fiel, é impossível sabermos o que acontecia indoor, por trás dos muros e paredes das embaixadas, e o que pareceu foi que a produção tentou passar uma ideia de "Tio Sam: o mocinho indefeso", uma alcunha para alienação digamos que bem deficiente hoje em dia, uma vez que o mundo inteiro já sabe que o jardim norte-americano não é mais tão cheiroso quanto se pensava no passado, fazendo com que essa tentativa de distorção ganhasse alguns pontos negativos para o filme, apesar de boa qualidade técnica.
Outra coisa sensacional em Argo é a super dupla John Goodman e Alan Arkin. Foi ótimo e muito engraçado ver um Arkin "badass" em cena, num papel hilariante junto ao também grande ator John Goodman (que já havia feito em 2012 outro grande personagem nos cinemas, no filme Flight de Robert Zemeckis). É impressionante como as cenas fluem bem com os dois na dianteira, dando um ar de descontração mesmo em um momento tão complicado da história dos Estados Unidos (e do Irã).
Para finalizar, ponto para a produção, ponto para o casting, ponto para o filme no geral, porque é merecido, porque com simplicidade conseguiu desbancar o histórico Lincoln, que preferiu primar pelo visual austero exagerado e pela lentidão de desenvolvimento, cansando o público com cenas desnecessárias e foco abalado por dicotomia e clichês de roteiro, trazendo sempre todos os holofotes unicamente para Daniel Day-Lewis e transformando o que deveria ser um clássico do cinema norte-americano no futuro, em mais um mero erro de execução.
Um ótimo filme com grandes atuações, e mais: um filme importante. Com o mínimo de sensibilidade é possível perceber a grande qualidade do longa, e ver que Argo merecia o melhor lugar do pódio, mas acho que o mundo todo, assim como eu, espera pela resposta já anunciada do Irã: uma superprodução para a mesma história, só que agora contando o outro lado da moeda. Vai ser no mínimo interessante. E para aqueles que se descabelam com o fato de não entenderem essa e outras tantas escolhas da Academia, vai uma dica: antes de julgar o Oscar, procure entender o Oscar, e compreender que é uma premiação que (infelizmente) não lida apenas com cinema e por isso (parafraseando uma amiga) a "Miss Obama" intrometeu-se no fim, dando o ar da graça para entregar o maior prêmio da noite.

domingo, 28 de outubro de 2012

Skyfall (2012)

Esperar pouca coisa ou uma surpresa ruim? Não vindo de Sam Mendes. Um diretor que tem na bagagem um filme como American Beauty (grande vencedor do Oscar de 1999) é no mínimo justificável que no comando de uma super produção fruto de uma parceria não tão menor entre Metro Goldwyn Mayer e Columbia tenha desempenhado um trabalho primoroso e grandioso, digno de reconhecimento devido.
A improbidade de outros responsáveis pelo desenrolar dos roteiros nesta saga de mais de 20 filmes pode ter dado, ao longo dos anos, uma certa infâmia ao agente mais famoso do Reino Unido, mas desde que Pierce Brosnan saiu do papel de James Bond e cedeu a vez a Daniel Craig (que, no caso, diz repeito ao tempo em que eu acompanho a saga integralmente) os filmes tomaram um rumo muito mais qualitativo que quantitativo, se é que vocês me entendem, e o entretenimento, que nunca vai ser deixado de lado, e que não pôde deixar de acontecer com clichês vis em Skyfall, não é nem de longe um empecilho para que existam pontos fortes que hoje estão presentes nos filmes, e que antes não eram vistos com "olhos de lucro" e como sucesso em potencial.
A dupla Neal Purvis e Robert Wade ataca novamente no comando do roteiro, e trazem à tona questões muito relevantes e factuais na vida de um agente como 007. A senescência, a crise da meia-idade e outros conluios bem metafísicos jogam a trama num clima denso e inspirador que dá um toque de seriedade na medida certa para a série, e nos faz pensar que era o ingrediente que faltava para a aclamação da crítica num filme de James Bond. O clima tenso que o vilão Raoul Silva, interpretado pelo grande e mais uma vez impecável Javier Bardem, deixa também é algo que faz o filme ficar cada vez mais interessante e emocionante, pois na pele de um ex-agente, subvalorizado e injustiçado, ele desempenha facetas e trejeitos com tendências homossexuais que em certo momento até nos faz duvidar da própria sexualidade de Bond, mas que dá um ar de sarcasmo e ironia em sequências e discursos marcantes durante o filme, tirando um pouco a tensão de cima dos ombros de um antagonista tão torpe quanto ele.
Uma das coisas que mais me chamou atenção, também, foi como a profundidade de campo aumentou em relação aos outros filmes. Achei que foi a hora exata de colocar mais vida e significado na paisagem em vez de apenas destruí-la nas sequências de ação. As cores bem representadas, com ótimos contrastes e que dão emoção para o que está sendo relatado pelas lentes, sugerindo boas interpretações aos apreciadores deste ponto. Nota 10 para a direção de arte/direção de fotografia.
The Dark Knight e Christopher Nolan. É impossível um grande fã deste reboot de Batman, como eu, não ter notado a incrível semelhança que existe entre a estória de Skyfall e a estória de The Dark Knight, e conversando com um amigo, ele até me afirmou que leu em uma matéria que o próprio Sam Mendes havia confessado a inspiração na direção da obra de Nolan, que faz com que se torne altamente perceptível aquele clima de tensão que o filme dá quando a impressão que temos é que o vilão é muito mais hábil e talentoso que o protagonista. Mas não se enganem quanto ao fato de essa inspiração existir, pois foi uma adaptação que visa a busca pela mesma atmosfera igual ao clima, a meu ver, que Stanley Kubrick procurou deixar presente em The Shining, de 1980, quando fez o elenco principal assistir à Eraserhead, de 1977, de David Lynch, para entender a linha de atuação a se seguir, não uma inspiração que beira a cópia como foi a relação entre The Artist, de 2011, e Singin' In The Rain, de 1952.
Para resumir, é um filme ótimo. Grandes interpretações de Daniel Craig e Javier Bardem, de Judi Dench e de outros secundários, mas assim como alguns clichês meio desnecessários e o sub-aproveitamento de uma grande estrela de altíssimo nível como Ralph Fiennes, existiram coisas que deixaram a desejar, é claro que sem deixar o resultado final comprometido, mas existiram, e como é um filme com uma estória muita densa e com questões muito sérias abordadas, pareceu-me que as 2 horas e 20 minutos de execução foram poucas para tanto detalhe, mas também foi algo que não comprometeu o meu veredito final.
É um belo filme e eu com certeza recomendo que assistam, e sim, é o melhor dessa nova trilogia, mas a diferença de Skyfall para Casino Royale não é tão gritante e eu diria que são dois filmes que seguem a mesma linha, muito competentes. Uma nota 9, sem medo de errar.

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

Moneyball (2011)


Posso estar errado, é verdade. Ainda não se formou o padrão, mas a sensação que eu tive depois que assisti Moneyball foi a mesma de depois de assistir a The King's Speech: uma provável e, considerando as interseções variáveis entre emoção e produção que a Academia costuma levar em conta, até incontestável vitória na categoria de Melhor Filme, por alguns motivos óbvios e claros percebidos durante alguns anos acompanhando a premiação.
Uma magnífica e arriscada aposta numa troca radical de estilo de gerenciar um time de beisebol, acreditada por um ex-jogador e seu assistente, é o conflito ininterrupto que se estende do início ao fim do filme. E nem é preciso falar que, mais uma vez, Brad Pitt esbanja talento, e retrata com sua interpretação, perfeitamente, um sofrido quarentão cujo os sonhos já foram devastados em outra ocasião na vida, e a única oportunidade que ele encontra de auto-remição é conseguir a afirmação no desenvolvimento de uma maneira eficaz de lidar com as próprias deficiências do limitado time que tem, podendo assim se acomodar consigo mesmo e tentar acabar com um carma.
A respeito da atuação dos dois de mais expressão, os atores secundários também estão muito bem. Boa cotação para apoio e grandes desempenhos. Philip Seymour Hoffman não decepciona. Como de praxe, está ótimo interpretando o treinador do time (Oakland A's) e, assim como Brad Pitt, é muito convincente. A incerteza era com Jonah Hill, que teve um único papel considerável e relevante - ele interpretou o personagem Seth em Superbad - em seu currículo até fazer Moneyball, mas também esteve ótimo enquanto, digamos assim, "auxiliar de palco", mostrando que pode sim adotar um novo estilo, que não o humor, ao seu role de ator.
Alguns problemas ocorreram durante o processo de produção do filme, como a necessidade de duas trocas na direção do projeto até que se definisse que Bennett Miller assumiria definitivamente. A necessidade de duas trocas, também, nos roteiristas, tendo Stan Chervin escrito a primeira versão do roteiro e, após Brad Pitt juntar-se ao projeto, ocorrido a contratação de Steven Zaillian para uma segunda versão, mas, logo em seguida, graças a Deus, Aaron Sorkin ter sido escalado para consertar o que caminhava para ser mais um roteiro com muito potencial, porém cheio de falhas pífias e perfeitamente descartáveis, feito por Zaillian (como em Gangs of New York, American Gangster e, o mais recente, The Girl With The Dragon Tattoo).
Numa opinião final, o filme é muito bom. Sentimental na dosagem certa, sem pieguice, é bem produzido, bem dirigido, tem uma fotografia respeitável, takes e propostas de inferência interessantes e plausíveis, e acho, realmente, que é um fortíssimo candidato às seguintes categorias do grande prêmio da Academia: Melhor Filme, Melhor Ator e Melhor Mixagem de Som.
Moneyball não é apenas mais um filme de esporte. Não é apenas mais um clichê americano. Não é pseudo-conteúdo. Em níveis moderados (mas não menos consideráveis) serve como uma eficaz lição de comportamento, determinação e sucesso pessoal que, se levada em conta, rende muitos lucros. É um ótimo filme que eu com certeza recomendo.

quarta-feira, 26 de outubro de 2011

Black Hawk Down (2001)


Um grande conflito levado às telas do cinema. Diria, no mínimo, impressionante. Black Hawk Down é uma obra-prima em movimento, mostrando que Ridley Scott merece ocupar o lugar que ocupa na elite dos diretores de cinema, dando porquês dessa constatação em fatos convincentes, que evidenciam tal.
Durante a guerra civil da Somália tropas estadunidenses invadem a capital Mogadíscio para combaterem grupos rebeldes respaldados por um regime doentio instaurado por Mohamed Farrah Aidid, mas o que deveria ser uma operação rápida e simples, sai completamente do eixo de controle e toma proporções catastróficas, tornando-se uma cansativa e desnecessária batalha de 15 horas de duração, com grandes baixas para ambos os lados.
Pouco a se falar sobre a história. Um roteiro consistente, apesar do nem tão consistente aprofundamento no acontecimento em si, mas é perceptível que o que se passa na tela é bem eficaz, e dá um sentido claro ao conflito, levando o espectador a assimilar toda a problemática do filme em seus diversos aspectos. Ken Nolan está de parabéns.
Uma ótima continuidade. Com a frenesi que acompanha o filme parece meio difícil, mas é possível perceber que os fatos acontecem numa linha racional, não deixando a intensa troca de câmeras e pontos de vista afetar o tempo cronológico, melhorando ainda mais a obra. E uma grande criatividade, até mesmo em detalhes de takes que poderiam passar desapercebidos, mas Ridley Scott lembrou-se de deixar seu selo de excelência ao rodar este roteiro, até mesmo nos pontos mais minuciosos.
Fotografia. Esse foi um dos fatores que me chamou mais atenção no filme. Slawomir Idziak realizou um dos trabalhos de direção fotográfica mais primorosos que eu já vi na vida, brincando com a saturação de cores, com a iluminação e deixando cada vez mais complexo o seu trabalho. Complexo e maravilhoso, diga-se de passagem.
Às vezes uma fotografia neutra, com iluminação natural e artificial em níveis bem próximos, mostrando as cores e sensações literais do acontecimento. Às vezes, bem complexa. Mistura de tons, mudança de temperatura cromática e uma certa instabilidade - proposital - nas cores (somadas ao grande trabalho de efeitos visuais, de montagem e de direção, claro) foram aspectos cruciais para a absorção do sentimento necessário em cada cena, e isso, com certeza, foi desempenhado com maestria.
Outra coisa que me chamou muita atenção foi o elenco. Acho que não poderia haver escolha melhor para esse filme. Talvez tenha sido uma espécie de compensação pela falta de aprofundamento na história, mas a equipe de produção fez com que um elenco misto de grandes estrelas e de atores de nem tanta expressão assim fizessem participações com importância equivalente, deixando a homogeneidade na trama interessante e envolvente.
Dois Oscars: Melhor Som e Melhor Edição. Merecidíssimos, é claro. A soma das frenéticas mudanças de ponto de vista à mixagem e edição do som de balas de diferentes armas e explosões em diferentes ambientes formaram uma combinação, me arrisco a dizer, perfeita e emocionante, para os amantes do cinema, mostrando que nem só de injustiça se sustenta o Oscar, competência também é premiada, como nesse caso.
Ridley Scott mostrou o porquê de ter ganhado o prêmio de Melhor Diretor no ano anterior, representando muito bem suas qualidades na regência deste grandioso projeto. Está de parabéns.