Página criada pra eu parar de expor publicamente minha posição a respeito dos filmes (via twitter), e começar a falar só para os realmente interessados na minha opinião.
quarta-feira, 12 de novembro de 2014
Interstellar (2014)
Sabe quando um filme tem tudo para dar errado pela quantidade e complexidade massivas de suas referências? Ou quando você acredita que o alvoroço e expectativa demasiados só vão fazer você sair do cinema ainda mais frustrado pelo longa não ser tudo isso? Pois é, esqueça. Esqueça essa ideia. Porque definitivamente não é o caso de Interstellar. Não é uma obra com espaço para pretensão ou incompetência, e Christopher Nolan não é um cineasta que vincula o nome a projetos ruins. Se você ainda tiver alguma dúvida sobre isto, por menor que seja, depois deste filme não terá mais. Primeiro que é impressionante como é possível conceber conceitos tão complexos em imagem. Segundo que é um texto muito bom, que vem sendo trabalhado desde 2007, por Jonathan Nolan, para Steven Spielberg dirigir e talvez (pelo o que eu andei lendo) se tornar uma grande bagunça, mas graças ao destino, em 2013, o elemento prodígio da família Nolan entrou em cena, e Christopher aliou o roteiro do seu irmão às próprias ideias, e deu vida ao trabalho do físico Kip Thorne e também ao que seria o maior e melhor projeto de sua carreira.
Emma Thomas (mulher de Christopher), Jonathan e Christopher Nolan sempre estão à frente da produção e roteirizição dos filmes que se envolvem, e desta vez, aliados ao trabalho de Lynda Obst - que surpreendeu por definitivamente não ser uma produtora desta praia, trouxeram à tona dilemas e prospecções de um universo onde praticamente todas as teorias que existem sobre o cosmo funcionam e coexistem da forma mais alinhada possível, e te levam a viajar pelos cantos mais improváveis da lógica humana de uma maneira bem crível e despretensiosa, o que acaba fazendo o espectador credibilizar ainda mais a obra e o traz para mais próximo da estória a cada instante. Mas é claro que estes pontos não o tornam um filme mais fácil. É necessário um certo repertório para assimilar melhor todo aquele jargão utilizado pelos astronautas. Acompanhar a linha de raciocínio de tantas teorias - que são cuspidas na tela de forma tão brilhante, diga-se de passagem - também se torna menos complicado se você já ouviu falar ou leu sobre algumas delas, e além disso ainda há um debate bastante imoral que paira sobre o intelecto dos "exemplares" mais inspiradores da raça humana na trama, em vários momentos, sempre aliado às minúcias que só um filme que trata da magnitude de tantas dimensões poderia englobar. Posso afirmar que é instigante mesmo para os mais familiarizados com o assunto.
Nolan fez o dever de casa, bebeu da fonte certa, e trouxe o que podia haver de melhor nas películas sobre o Espaço para o próprio filme. São diversos easter eggs* com relações a trabalhos que os atores de Interstellar também participam, e, para mim, a homenagem mais significativa, merecida e importante de todas: não só é baseado, mas reproduz quase que integralmente o conceito do já falecido diretor Stanley Kubrick, pelo seu trabalho em 2001: A Space Odyssey. Desde o design dos robôs, que eretos são uma cópia fiel da forma do Monolito de 2001, até a missão em direção a Saturno, que é um jeito sutil de dizer que finalmente, após 46 anos, foi possível reproduzir uma versão aceitável do Planeta no Cinema (naquele tempo, Kubrick mudou a missão da trama de 2001: A Space Odyssey para Júpiter, por ser impossível, com a tecnologia da época, reproduzir os anéis de Saturno para as telas). E não pára por aí, ele também brinca com coisa séria. Com a credibilidade da NASA. Continuando na mesma levada, Nolan dá espaço para os boatos sobre a aterrissagem em solo lunar serem apenas propaganda estadunidense para falir a União Soviética, mostrando na TV (supostamente) takes cortados do filme espacial de Kubrick. Christopher Nolan fez um remake perfeito da vanguarda extra-terrestre idealizada em 1968, e transformou todo aquele imaginário distante, nada afável e (apesar de gostar, confesso) bastante pretensioso em linguagem para massas, de um jeito bem adequado e sagaz, sem dúvida.
Indo para as atuações, mais uma vez é de espantar o desempenho de Matthew McConaughey. O cara que até dois anos atrás não se envolvia em nenhum projeto que fosse necessário qualquer fração de talento, hoje em dia é sem dúvida um dos melhores representantes da categoria artística de Hollywood. Começa normal, maneirista, e até faz o público lembrar do personagem que fez em Dallas Buyers Club, no ano passado, principalmente pelo sotaque texano que tem e que é bem puxado, mas ao desenrolar da trama Matthew McConaughey mostra como tem presença e preenche o enredo com um personagem difícil, até mesmo para uma trama tão inconstante como Interstellar. Tem momentos de segurança, de descontrole, de emoção, raiva, humor... tudo isto bem mutável e de uma forma natural e convincente, o que faz dele um verdadeiro protagonista, por saber lidar com tudo isso e ainda dominar cada ambiente e conceito visual na tela. Ele te faz acreditar que realmente está vivendo cada situação, e aliado ao fato de não ser um grande astro das telas, não tira atenção do personagem, e não deixa o público incessantemente comparando os antigos trabalhos, o que ajuda a manter o foco no piloto Cooper. Acho que foi a escolha perfeita para o papel e digo mais: tem grandes chances de ele se igualar a Tom Hanks e ser a segunda pessoa na História a ganhar dois Oscars consecutivos como Melhor Ator.
Já em segundo plano, os coadjuvantes também não deixam nem um pouco a desejar. É um batalhão de estrelas hollywoodianas que compõem o cast e criam um plano bastante confortável para que o texto se torne funcional. Pela primeira vez, em muito tempo, vi Michael Caine fazer um papel diferente. Exceto pelo remake de Sleuth - dirigido por Kenneth Branagh em 2007, não me lembro de um filme que ele interprete alguém com a moral questionável, independente da situação. Caine, que quase sempre era o arauto de responsabilidade, e a figura do ancião sábio e ético que nunca pendia às falhas humanas, agora, finalmente, se mostrou errante de um jeito real e acumulou pontos ao filme e até à própria defasagem que ele mesmo vinha criando pela repetição de papéis. Ótimo trabalho dos roteiristas e do próprio ator, é claro. E a ala das mulheres não fica atrás. Seja colocando Jessica Chastain ou Anne Hathaway para concorrer, qualquer uma tem grandes chances de ganhar prêmios de Melhor Coadjuvante, em qualquer premiação. O papel de Jessica é mais apelativo, emocional, e chama mais atenção, naturalmente, por ser a personagem-chave de toda a trama, mas para quem conhece o trabalho de Anne Hathaway até estranha de vê-la comedida e transformada em uma estudiosa certinha. Ela está lá, e a sua interpretação é muito marcante, mas desta vez distancia-se dos holofotes e parece que opta por dar espaço para atores como Wes Bentley e David Gyasi, que tem menos expressão. Achei de uma sutileza tamanha e não sei se foi escolha do Nolan ou dela própria, mas entendi como um ponto positivo por acreditar ser necessário que todos os personagens sejam de vital importância, tendo em vista o enredo apocalíptico.
É um filme relativamente barato (o orçamento foi de U$ 165 milhões) e mais uma vez Christopher Nolan escolhe efeitos manuais, analógicos, da maneira mais tradicional possível, usando o mínimo de computação, para que toda a experiência seja mais tangível e verossímil, e dá uma aula de Cinema, pois encanta do mais cinéfilo ao mais leigo na plateia, transformando um trabalho denso e complicado em um blockbuster promissor, assim como (impressionantemente) conseguiu fazer também com Inception, em 2010.
Interstellar coloca todos os filmes que você já viu sobre o Espaço no chinelo, exceto pela sua maior fonte de inspiração, a obra-prima já antes citada de Stanley Kubrick. Depois deste filme você não somente assume que Christopher Nolan é uma mente brilhante, mas aceita de vez que o diretor da aventura intergalática mais famosa das telonas é o maior cineasta que já existiu, por ter pensado na década de 1960 algo que demorou quase 50 anos para se tornar esteticamente maleável. Uma pena Stanley Kubrick não ter chegado nem até o ano de 2001, que dirá até 2014, mas se ainda fosse vivo, com certeza ficaria feliz em assistir à premiere de mais uma odisseia no espaço.
*easter egg: breve mensagem subliminar e/ou referência presente ao longo do filme.
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Fala Allan
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